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No ano de 1921, Anita Malfatti novamente envia requerimento solicitando o Pensionato Artístico do Estado, o qual, mais uma vez, não lhe é concedido.
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“Trigésimo Aniversário da Semana de Arte Moderna" é o título de coluna publicada em 1952 no Diário Carioca, RJ. Nessa época de institucionalização de 1922, vários foram os depoimentos, assim como diversos os pontos de vista dos próprios integrantes da SAM que, evidentemente, participaram das reportagens do referido periódico da então Capital Federal.
Destaquem-se as afirmações de Anita Malfatti sobre o assunto:
“Foi com a chegada de Graça Aranha vindo do Rio para São Paulo que René Thiollier e Paulo Prado conseguiram o Teatro Municipal por uma semana inteira para os artistas. O René Thiollier pagou o aluguel do teatro e tem o recibo com grande regozijo nosso! Foram os amigo íntimos de Paulo Prado – Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida e outros artistas do Rio que provocaram a Semana de 22. Hoje esta Semana de 22 representa o início da nova fase brasileira na música, arquitetura, pintura, escultura. Às vezes, em diferentes países surge simultaneamente uma ideia nova. Porém um não se acomoda com a prioridade do companheiro, pois as ideias surgem às vezes ao mesmo tempo; daí o atrito. Estimulado por inspirações análogas, o milagre surge à luz. Daí o advento da Semana de Arte Moderna.
Foi em São Paulo que soou o clarim que rompeu as amarras do velho barco acadêmico, lançando os artistas ao mar agitado, à procura de novos horizontes artísticos. Escola alguma pode ensinar uma arte que se expressa individualmente. A forma deve se adaptar à ideia e à intenção do artista. Só assim podemos separar a obra de arte do cinema e tecnicolor. Daí a extraordinária importância da Semana de 22. Entrava em cena o individualismo. Foi em 9 de fevereiro de 1922, com a inauguração da Semana de Arte Moderna, que se afirmou a nova era artística no Brasil.”
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NOITADAS TUMULTUOSAS
Todas as tardes tínhamos exposição, falatório e o Villa Lobos a ensaiar ou executar peças inéditas de sua enorme obra musical. Todas as noites, poesia, literatura e música. O Teatro franqueado ao público enchia até as torrinhas; foram as noitadas mais tumultuosas a que assisti na minha vida.
De manhã os faxineiros faziam a limpeza dos bilhetes e cartas insultuosas (todas anônimas) que colocavam atrás das telas. Não recebi nenhum insulto direto ou desaforo aos brados, como na minha primeira exposição de Arte Moderna, no início da luta. Os literatos e o Villa Lobos levaram então o batismo das vaias.
A exposição dos quadros, desenhos e gravuras, esculturas, desenhos arquitetônicos e a maquete de George Pzrembel [Georg Przyrembel] estavam no saguão da entrada.
Nos recitais (que foram três) o Ronald de Carvalho falou da primeira fila da plateia e Mário de Andrade leu sua conferência no primeiro lance da escadaria da entrada do Teatro.
A ideia nova surgia tão rápida e viva que ninguém tinha tempo de preparar coisa nova para a Semana. Tinta indelével que viria a dirigir toda uma geração de artistas brasileiros. No ato da inauguração da exposição o velho conselheiro Antônio Prado, então prefeito de São Paulo, ficou entusiasmado com grande espanto de sua comitiva; daí o episódio do Homem Amarelo. A plantinha havia vingado.
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QUEM EXPÔS
Lembro muito bem dos quadros e ilustrações do grande pintor Di Cavalcanti. Logo no dia da abertura da exposição, o Di havia vendido um quadro seu a quatro ou cinco pessoas diferentes. Fiquei preocupada e perguntei ao Di: mas afinal de quem é agora o quadrinho, e o Paulo Prado, encantado com a transação, levou-o.
Zina Aita tornou-se uma grande ceramista na Itália, reside em Nápoles e trabalha muito. Rego Monteiro só pintava assuntos folclóricos e lendários, está em Pernambuco. Este é um fabuloso pintor brasileiro.
O saudoso arquiteto Antonio Moya, com dezesseis ótimos estudos e projetos de arquitetura moderna e George Przembel [Georg Przyrembel] com a Taperinha na Praia Grande, maquete e plantas.
Na escultura, Vitório Brecheret, com doze peças e W. Haerberg [Haarberg], com cinco peças de escultura.
Na pintura, meu nome, Anita Malfatti, com doze telas a óleo e oito entre gravuras e desenhos, alguns coloridos.
Di Cavalcanti, com doze números, entre óleos e ilustrações. Já tinha o caráter de hoje, hoje mestre da pintura brasileira.
John Graz, com oito pinturas decorativas. Martins Ribeiro, com quadro desenhos. Zina Aita com oito telas modernas. J. F. de Almeida Prado, com dois desenhos. Ferrignac, com uma natureza morta e Vicente Rego Monteiro, com dez telas excelentes. (Só estes nomes estão no catálogo da Semana de 22, hoje no Museu de Arte Moderna).
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NO SAGUÃO DO TEATRO
No saguão do Teatro tudo era revolucionário, diferente. Os recitais: Segunda-feira, 13 de fevereiro, 1922. Primeira parte: Conferência de Graça Aranha. ‘A emoção estética na Arte Moderna’. Música de Ernani Braga. Poesias de Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho. (Guilherme leu no palco, o Ronald não subiu, pois não estava muito certo de enfrentar tal público). Segunda parte: concerto sinfônico de Villa Lobos.
Foi a noitada de surpresas: o Teatro completamente cheio. Era o prenúncio da tempestade que arrebentaria na segunda noitada. Leu também o Ronald, na segunda parte desta primeira noitada, a conferência: ‘A Pintura e a Escultura Moderna no Brasil’. Essa conferência é de enorme importância para os artistas plásticos do Brasil. Ignoro se se encontraria no acervo deste poeta.
A noitada terminou com músicas brasileiras. Guiomar Novais toca um concerto de músicas brasileiras, mas lança um manifesto dizendo que não por aceitar o convite da Semana ele deixaria de admirar toda a música que representasse ‘verdadeira arte’. Esse gesto de Guiomar representa coisa muito notável para a época.
Quarta-feira. Segundo recital. Palestra e poesias de Menotti del Picchia. Trechos em prosa de Oswald de Andrade.
O barulho começou logo de início com a chegada de Menotti. Foi aumentando e explodiu com o Oswald. Quanto mais a vaia subia com silvos e sua voz muito suave mas de registro muito extenso foi aumentando de volume até terminar tudo o que queria dizer. Grande compreensão teve o Oswald do poder de uma revolta estética, como da maneira de subjuga-la e vencê-la.
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Seguiram-se Cândido Mota Filho, Luís Aranha, Sérgio Milliet, Tácito de Almeida, Ribeiro Couto, Plínio Salgado, então crítico teatral, Agenor Barbosa e Mário de Andrade.
Mário não tinha voz para empolgar as massas. Sua voz sumia no barulho das vaias e gritaria. Resolveu ler sua conferência da escadaria do saguão. Pegou, pois, o pessoal de surpresa e leu, nervoso mas resolvido (tremia tanto que mal podia segurar os papéis). Quando o pessoal da vaia deu pelo que estava se passando, invadiu o saguão, mas o Mário estava salvo, havia terminado.
COMPLETAMENTE FELIZES
Estávamos completamente felizes apesar dos protestos e vaias. O Villa executou um tremendo concerto sinfônico de abalar as paredes do velho Municipal, na noitada de sexta-feira.
Assim terminava a Semana. Tínhamos feito algo que só vinte ou trinta anos depois poderíamos registrar assim: deixamos um ponto luminoso na história da cultura da Cidade de São Paulo.
9 de fevereiro de 1952”
Diário Carioca, RJ, 24/2/1952
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No ano do Centenário da Independência do Brasil, um dos objetivos da Semana de Arte Moderna foi mostrar algo novo a São Paulo, uma crítica às velhas artes, ainda que realizada por meio de diferentes linguagens. O evento contou com artistas mais afins a uma sociedade que se transformava ou, de acordo com o pensamento de Anita Malfatti, sem escola, pois “Escola alguma pode ensinar uma arte que se expressa individualmente. A forma deve se adaptar à ideia e à intenção do artista.”
Anita Malfatti. A chegada da arte moderna no Brasil. Datiloscrito , C. PESP, 1951.
Fundo AM. Arquivo, IEB-USPCompreendida como símbolo da cultura brasileira, a canonização da SAM deve-se à construção de uma história que se inicia a partir das falas dos próprios participantes do evento e de seus próximos, distribuídas em periódicos nos decênios de 1920 e seguintes, época em que a imprensa era “a principal instância de produção cultural”. [Cf. Sérgio Miceli]
Em seu trigésimo aniversário, a Semana, nem tão barulhenta mais, é institucionalizada como arte moderna pelos jornais e revistas do Brasil.
Contribuíram para esse processo de institucionalização da SAM a movimentação de intelectuais que se formaram nos anos de 1940, como Gilda e Antônio Candido de Mello e Souza, Paulo Emilio Sales Gomes e Décio de Almeida Prado, professores da Universidade de São Paulo.
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O debate e a bibliografia sobre o assunto são extensos [VER]. Daí destacar-se ou transcrever-se aqui, em “Ver Anita Malfatti”, vários artigos de periódicos, para se relembrar alguns. Importam os depoimentos sobre a Semana publicados no Diário Carioca ao longo de 1952, quer para se perceber a institucionalização da SAM naqueles anos do governo de Getúlio Vargas, quer para se entender a construção da ideia de um Brasil moderno, prosseguida por Juscelino Kubitschek. Para que se conheçam artigos de jornais e textos de catálogos de época é indispensável o esgotadíssimo Brasil: 1º Tempo Modernista – 1917/29 (orgs. Telê P. A. Lopez, Marta R. Batista e Yone S. de Lima) e Taxi e Crônicas no Diário Nacional, de Mário de Andrade. Ainda sobre a Semana, não se dispensam consultas ao História do Modernismo Brasileiro, de Mario da Silva Brito (programado para ser lançado no 30º Aniversário da SAM), entre outros livros “clássicos” da literatura modernista e aos nada “clássicos”, como o de Yan de Almeida Prado, A Grande Semana de Arte Moderna. Para a compreensão da imprensa como a principal instância de produção cultural da época, mencionem-se os livros de Sergio Miceli, Nacional estrangeiro e Intelectuais à brasileira. Para se conhecer, ao menos um pouco, a relação entre os artistas modernistas, suas amizades, os caminhos diversos que seguem, as vaidades e os desentendimentos, é indispensável ler a correspondência entre eles, como a de Mário de Andrade com Manuel Bandeira (org. Marcos A. de Moraes), de Mário com Tarsila do Amaral (org. Aracy Amaral) e, entre outras, a do escritor com Anita Malfatti (org. Marta R. Batista). A autobiografia de Di Cavalcanti (Viagem da minha vida) e o depoimento de René Thiollier (A Semana de Arte Moderna) também interessam.
Os livros e os artigos que propõem debates sobre as modernidades são muitos. Por isso, limita-se aqui a indicar somente mais alguns: o artigo "Modernismo brasileiro: entre a consagração e a contestação”, de Ana Paula C. Simioni , o livro Modernidade e Modernismo no Brasil, de Annateresa Fabris e o de Tadeu Chiarelli, Um Jeca nos Vernissages: Monteiro Lobato e o desejo de uma arte nacional no Brasil.
Aliás, Monteiro Lobato não saiu de cena:
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Entre os vários recortes de jornais guardados por Anita Malfatti , há um artigo escrito por Mário de Andrade já no final de 1921. O escritor traça elogios às telas ESTUDANTE RUSSA e HOMEM AMARELO – obras que ele sempre destacará como ápice do trabalho da artista –, e sua objeção às supostas, por ele, “fraquezas pueris” dela. Segundo Mário, tais fraquezas seriam compreensíveis, pois entende os trabalhos da artista desses anos [após 1918?] como “esforço” para fazer “obras mais acessíveis”. Mário aproveita a ocasião para dar sua opinião acerca dos desenhos dela:
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Nesse decênio de 1920, em carta de 13/11, possivelmente de 1924, enviada a Anita Malfatti que estava em Paris, Mário de Andrade volta a criticar os desenhos da artista:
“Ainda a respeito dos teus desenhos há uma reserva a fazer. Não gosto de certo gênero de desenhos que fazes, os que têm a linha nua sem revestimento de sombras ou cor. O de Klaxon por exemplo [Cf. Klaxon nº 5, São Paulo, 15 de setembro de 1922]. Mas tenho um estudo teu, lembras dele? um nu de homem que é maravilha.”
carta 13/11/[1924]. Fundo MA. Arquivo IEB-USP
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De acordo com o que Mário de Andrade entende por desenho e pintura, a partir de artigos que se encontram em periódicos e em um texto que escreve para um álbum de Lasar Segall, são dois os “desenhos” de homens que pertenceram à sua coleção: um com “sombras” e outro com “cor”:
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No mesmo ano da Semana de Arte Moderna, Anita Malfatti participa da I Exposição Geral de Belas Artes de São Paulo, instalada no Palácio das Indústrias, mostra “com a qual o nosso meio artístico comemora a passagem do primeiro Centenário da nossa independência política”.
[Cf. Correio Paulistano, SP, 6/9/1922]
Essa exposição, como consta do mencionado jornal, “constitui um acontecimento extraordinário em S. Paulo”.
Menotti del Picchia abriu essa exposição comemorativa, como se lê no Correio Paulistano, de 8 de setembro, com “um brilhante discurso sobre o empreendimento dos artistas de S. Paulo”.
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A revista modernista Klaxon também registra a Exposição Geral de Belas Artes de São Paulo, comemorativa do Centenário da Independência, destacando Tarsila do Amaral e, evidentemente, Anita Malfatti:
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Também em 1922, Anita participa do XXIX Exposição Geral de Belas Artes do Rio de Janeiro, nov., apresentando novamente a obra CHINESA.
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Em carta a Tarsila do Amaral, de 16/6/[1923], Mário de Andrade, refere-se à crítica que fez à pintura CHINESA, de Anita Malfatti, para provar a sua amizade pela artista nascida em Capivari:
“E responde-me dizendo que preferes: minha amizade, essa que me fez dizer um dia que tua Espanhola era, como cor, o melhor trabalho do Salão Paulista e que a Chinesa, de Anita, era um trabalho frustrado, essa amizade ou relações sociais displicentes e no que terás o meu aplauso incondicional? Mas estou que preferirás minha amizade, minha...amiga. E repouso. Dir-me-ás também meus erros. E serei eu a ganhar, pois terei como espelho as luzes de teus olhos maravilhosos, Tarsila. Um abraço comovido, camarada. ” [Cf. AMARAL, Aracy Amaral, Correspondência, p. 74]
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Com a chegada de Tarsila do Amaral da Europa em 1922, Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Oswald e Mário de Andrade formam, com ela, o Grupo dos Cinco.
Faziam reuniões animadas, como relembra Anita no manuscrito "Notas Biográficas":
“Volta Tarsila da Europa e o grupo dos cinco se completa.
Esse grupo merece sozinho um capítulo dos mais coloridos das minhas memórias. Tarsila nos conquistou de saída. Surgem livros em uma semana, os retratos se sucedem e as reuniões e festas, é um não mais acabar de alegria e criações de arte.”
Anita Malfatti. Notas biográficas, c. 1949. Fundo AM. Arquivo, IEB-USP
O “grupo” se manteve unido em torno da ideia de produzir uma arte “brasileira”, ou oposta àquela que, até então, era aceita pelo meio. Mas se desfaz com o retorno de Tarsila para a Europa no mesmo ano de 1922. Ainda que mantivessem por algum tempo a amizade, instalem-se, na sequência, intrigas e competições entre eles, paralelamente às novas ideias e produções que aumentavam em tons diversos.
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